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domingo, 7 de outubro de 2012

Sonhos III

 O terceiro e último que vou postar no blog, devido aos outros serem grandes demais pra alguém ler aqui, mas se interessarem, me procurem, eu passo pra vocês (De fato, os últimos dois são os melhores, A Estrada e Os Novos Humanos)



A Bonequinha
A chuva torrencial daquela tarde perdurou até de madrugada. Quando acabou, Júlio que havia se acostumado com o som, acordou. Estava mais quente do que ele esperava e muita mais escuro também.  “A luz acabou             ? Não é de assustar pelo tanto que choveu...”  ele virou de lado e bateu a mão procurando seus travesseiros. “ Ué, lembro de ter dormido com dois travesseiros essa noite...”

No quarto, o ruído do pouco que sobrou da chuva, a água que escorria no telhado, parecia mais distante para Júlio. Enquanto ele virava na cama, buscando um cobertor ou um travesseiro, ele percebia que as coisas estavam mais longes também. Após algum tempo batendo na cama, Júlio desistiu e resolveu acender a luz para vez o que acontecia.

Foi pelo tombo que ele notou algo de errado. Ele caiu da cama, mas não sentiu nenhuma dor, porém ele parecia ter caído da altura de uma janela aberta. Passou a mão em seu rosto e não sentia nada, só a sensação de pano tocando em pano. Tentou gritar alguma coisa, mas sua boca era costurada. Não sentia seu coração, não sentia o ar entrando em seu corpo, notou que entre suas pernas não havia nada, nem macho, nem fêmea. Quando percebeu que seus olhos eram dois botões, descobriu porque não enxergava mais.

Mas alguma coisa dele ainda tava viva, ele podia ouvir a água escorrendo pelas telhas de sua casa. Olhou para cima, o teto estava tão longe quanto o céu. Sua vontade era sair dali e correr para o quarto dele. Mal conseguia andar, suas pernas não tinham sustentação suficiente para mantê-lo em pé por mais que dois passos e dobravam muito...

“A você ta ai, Bonequinha. Vem durmi comigo, sua chata, não sei o que você ta fazendo no chão...” a irmã dele surgiu na porta, voltava de algum lugar, estava vestindo um pijaminha fino rosa, com alguns gatinhos desenhados. Seu cabelo era longo e escuro, a boneca era a cara dela.

Ela agarrou a bonequinha e deitou-as na cama: “Sabe, sem você eu não consigo durmir, há muitos monstros por aqui e você toda noite me protege dele, te amo tanto, tanto!!!”
Debaixo dos cobertores, ela se enfiou junto com seu brinquedo. “Fica ai, noites de chuvas eles aproveitam mais, o barulho da chuva esconde eles...”

Aquilo não fazia sentido pra ele, dois anos mais velho que ela, mas esperou que não fosse verdade. Não era sufocante nem mais quente debaixo das cobertas, ele apenas ouvia as coisas que ela dizia e não podia responder, só ouvir... ‘ Espero que isso seja um pesadelo e acabe logo...’

Pouco mais que vinte minutos, o agarrão afrouxou, o boneca notou que sua irmã durmia feito um anjo e ele ainda não saia daquilo. Ele tira a cabeça pra fora e de repente um suspiro soturno consegue arrepiar a espinha dele, mas não ali na boneca, ele sentia o arrepio no corpo dele,  no quarto ao lado. Ele não podia enxergar nada, mas notou a presença de algo ali no quarto. Ele não sabia o que fazer, até lembrar que sua irmã tinha muita cosquinha na orelha. A bonequinha começou a passar que braço cotoco la, em pouco tempo sua irmã começou a responder. E a coisa se aproximava, estava agora por cima deles, mas ele não sabia o que era. Sentia um ar frio e quente ao mesmo tempo, e sua irmã não acordava. A coisa baixou mais e começou a mexer o braço da boneca, tentando impedir que a irmã seja acordada. “Levanta logo irmã, nossa vida depende disso...” – aquele pensamento foi estranho.

A criatura deu um sopro com o bafo que xeirava a lavanda misturada com xixi de gato e ele, como boneca, apagou...

“Nãoooooooo...” ele acordou assustado, estava em seu quarto, fora tudo um sonho, um terrível sonho...

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Sonhos II

Pra quem esperava mais um deles, estou postando agora em plena uma aula chata de fratura e fadiga dos materiais. Esse é meio pipizinho, mas faz parte da coletânea... se divirtam (=


O Suicida que voou


 “Então é esse o fim. Já fiz tudo, ninguém se sentirá culpado. Tudo estava tão bem a pouco tempo atrás, mas  não consigo suportar isso nem o que virá” -  pensava o suicida antes de tomar todos os seus comprimidos que o levariam a uma morte no sono.
Ele durmiu, era tão simples, tudo no corpo dele ia parar e ele não ia sentir nada, estava anestesiado contra qualquer dor e sofrimento, e ele morreria. Mas não foi assim...

Durante a noite, uma queimação em suas costas fez ele abrir os olhos. Árdia como o fogo do inferno, cortava como a lâmina mais afiada. Do centro de sua coluna, ao longo de toda ela, até a lombar, algo, melhor dizendo, duas coisas saíam. A dor lascinante, ele não sabia o que era, só sabia que doía e doía muito. Incapaz de mexer devido a dopagem, gritar, chorar, ele sofria calado enquanto o lado direito e o esquerdo de sua coluna eram rasgados e algo brotava de seus ossos...

Depois de um longo tempo, ele pode ver uma armação branca com  penas sobre sua cabeça, a coisa havia crescido tanto... Ele começou a sentir alguma corrente de ar passar por aquilo e notou que os dois lado estavam separados. A dor final o fez desmaiar.

No dia seguinte, ele não havia morrido. Assim que passou todo efeito, ele viu que era um par de asas que havia surgido em suas costas, eram asas angelicais. Sentia fome e vontade de ir ao banheiro. Mas ainda estava deprimido. Pulou da janela do seu quarto, no sexto andar de um prédio residencial, e num reflexo instântaneo começou a voar.

“O que está acontecendo comigo? Eu queria morrer e não voar... “
Voou para longe da cidade, estava pálido, nem naquilo conseguiu obter sucesso... mas... mas agora ele voava. Ele pensou que aquilo seria bom, poderia consertar as coisas que fez... Mas pra isso ele precisaria ir pro litoral. Ele voava, isso não era problema,  e descobriu que era bem rápido. Se seguisse em linha reta em menos de uma hora chegaria até onde sua amada estava, podia carregá-la pra longe e convencer a voltar com ele.  Podia praticar todos os planos juntos, ele tinha o poder e conseguiria...

Ele voou, alguns passáros o evitavam, outros pediam pra ele desistir, que nada daquilo iria dar certo, era tolo se ele ainda acreditava no amor depois do que aconteceu com ele. Mas ele não quis ouvir nenhum desses pássaros. Um último disse para ele aproveitar de outra maneira a dádiva que foi dada a ele -  ele poderia conseguir o que quisesse, agora ele voava!

Ele não desistiu, sabia que sua amada estaria esperando em algum lugar, debaixo de um guarda-sol, ou andando pelas calçadas da praia e ele a levaria para longe, mostraria que eles iam dar certo, e seriam felizes de novo – e que na verdade, nunca foram infelizes....

Então voando pelo litoral daquela cidade em que ela estava, após pouco tempo a encontrou... num rasante desceu  e a sequestrou. Suas amigas e amigos deram um grito, tentaram pegar o suicida voador, mas ele foi mais rápido e desistiram quando viram que ele estava alto de mais e poderia deixá-la cair.

- QUEM É VOCÊ?  – ela não tinha olhado no rosto do homem voador ainda, se debateu até ver a altura em que eles se encontravam. Como era bom tê-la nos braços de novo, apesar de não ser espôntaneo...

- Você me tratava assim, como anjo,  eu te tratava assim... mas agora sou apenas um homem que voa atrás de redenção, do seu amor e de perdão.. Meu verdadeiro anjo é você, sem você o vazio toma conta de todos meus sentimentos, minha vontades, meus objetivos... só quero ser feliz com você...

Ela reconheceu a voz. Um silêncio estranho tomou conta deles enquanto ele procurava um local seguro e longe para que eles pudessem conversar... Tudo já estava longe naquele momento.

Uma caimbra. Eles estavam no meio do mar, ele viu que não conseguiria voar mais e levaria a morte sua amada também.

Suas asas não batiam mais. uma dor aguda tomou conta de seu peito. Sua respiração parou, seu coração parou. E ele nem teve tempo de ouvir a resposta dela...