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sábado, 7 de novembro de 2015

Perdido Sem Hora

Chovia. Ela chorava, não pude fazer nada.
- De novo essa história? – Naquele dia, mais cedo, ela perguntava – quer destruir tudo que criamos, que desejamos e que construímos? Vá em frente...
Com muito pesar terminei aquilo que já havíamos terminado: “PA! PA! PA!”

Eu tinha enxergado um novo horizonte, projetado outras colunas, outras formas.
Queria construir aquele outro mundo.
- Feliz agora? – Cínica como sempre era quando chegávamos ao fim de uma discussão que eu vencia. – Não terminaremos isso antes da próxima terça...

Deveríamos terminar agora!

Não era isso nem aquilo que eu queria. Ela
não entendia. Luzes brancas são luzes brancas, mas ela não...

- Anda, pare de ser teimoso, basta uma resposta, uma única resposta...
Não me interessava respondê-la. Já era criada, quase adestrada. Viver com ela sempre foi uma desgraça... Uma linda, apaixonante, miserável, carinhosa, horrorosa, desgraça!

- Seria melhor eu decidir? Sempre sou eu que decido... Então, vamos?
Não peguei em sua mão, ela pegou na minha... A larguei e deixei ir...

- Veja! Abras olhos, me agradeça! – Naquele
dia, mais tarde... – Novamente, sem problemas. – ... Ou não... – O problema é você...

Ela tinha feito aquilo de novo. E de novo. E de novo...
- Você não é nada sem mim. Aliás o nada é mais que você... Destrua e eu criarei... Crie e eu melhorarei... Melhore e destruirei, como sempre. Ainda não quer terminar com isso?
Fui feito de bobo – de novo.

- Não disse – mais tarde, naquela hora. – subjuga-me sempre... Amo tanto isso... Odeio tanto você. Vou-me embora.
Vitória, Vitória... Outra vitória, mas do que adiantaria... Ninguém perdia, ou ganhava, ou partia. Mas ela... ela voltaria

- O controle é meu – Mais hora, menos ora. Naquele final de outono - ... vamos correndo, correndo...

Rastejando? Corri...
- Você voltou – era inverno, era inferno - ... ali, ali e ali. Veja, você está errado, mas gosto assim. Como foi sua primavera?

 Respira fundo. Vai. Respira. Respira. Respira. Vai!! Vaiiii!!!
- Te amo. Por que, tanto, assim? – Naquele verão, antes da hora – ... te odiar, um sonho, um pensar. Um caminhar eterno... Te amar.

Ela estava errada. Totalmente errada. Tão errada que estava certa e eu queria que parasse. Pare!

- Não é te amar, é apaixonar e se horrorizar. É ceder, é você, me ame, me odeie, quero realismo. Quero surrealismo. – Naquela tarde, no outono... – Quem sabe, sexualismo? Ismo. Ismo. Ismo... – um gemido, dois ruídos. Um teto flutuante.
De novo, não chorava, sorria. Morre! Porquê não morria...

-  Viva! Viva... Quero você, quero ser sua vida – Bem antes, depois da tarde, num finalzinho de primavera – Quero te amar, morder sua língua. Gozar de seus encantos...
Era uma vez e é ainda... Ela me trata como besta e ...

- Você é insuficiente. Que infelicidade... – em alguma noite, depois da hora, antes do verão – Insuficiência também é dádiva. E eu sou sua Eva, sua Maçã, seu Pecado... Sou um recado que você deixou... Muito mal dado!
Lá se foram alguns outros tempos, chorava e chorava...

- Sou a única coisa que realmente te pertence... e seu único pertence que realmente vale de alguma coisa – no inverno, longe do inferno, antes da tarde – Mente, não mente, sua mente, você mente... Não, você não é real...

Depois das 7, hora ou outra ela se aborrece. Antes da 7, outra hora, em que ela enriquece, me empobrece. Uma última prece (...)

- Te amo. De volta para te amar. Veja bem, já são anos fora de horas que nada te apetece – antes do verão, sem chuva nem sol nem nuvem nem terra nem água, fora de hora – me consuma, me destrua, me construa. Ser só sua, mas não só a única! Ser só a única, mas não ser só sua!

Num tempo, sem tempo. Numa estação sem vento, sem documento, estacionado, sem hora, sem outrora. Só demandas, só carícias. Só a falta e o amor... o amor que era da minha vida...
E ela sorria...

domingo, 7 de outubro de 2012

Sonhos III

 O terceiro e último que vou postar no blog, devido aos outros serem grandes demais pra alguém ler aqui, mas se interessarem, me procurem, eu passo pra vocês (De fato, os últimos dois são os melhores, A Estrada e Os Novos Humanos)



A Bonequinha
A chuva torrencial daquela tarde perdurou até de madrugada. Quando acabou, Júlio que havia se acostumado com o som, acordou. Estava mais quente do que ele esperava e muita mais escuro também.  “A luz acabou             ? Não é de assustar pelo tanto que choveu...”  ele virou de lado e bateu a mão procurando seus travesseiros. “ Ué, lembro de ter dormido com dois travesseiros essa noite...”

No quarto, o ruído do pouco que sobrou da chuva, a água que escorria no telhado, parecia mais distante para Júlio. Enquanto ele virava na cama, buscando um cobertor ou um travesseiro, ele percebia que as coisas estavam mais longes também. Após algum tempo batendo na cama, Júlio desistiu e resolveu acender a luz para vez o que acontecia.

Foi pelo tombo que ele notou algo de errado. Ele caiu da cama, mas não sentiu nenhuma dor, porém ele parecia ter caído da altura de uma janela aberta. Passou a mão em seu rosto e não sentia nada, só a sensação de pano tocando em pano. Tentou gritar alguma coisa, mas sua boca era costurada. Não sentia seu coração, não sentia o ar entrando em seu corpo, notou que entre suas pernas não havia nada, nem macho, nem fêmea. Quando percebeu que seus olhos eram dois botões, descobriu porque não enxergava mais.

Mas alguma coisa dele ainda tava viva, ele podia ouvir a água escorrendo pelas telhas de sua casa. Olhou para cima, o teto estava tão longe quanto o céu. Sua vontade era sair dali e correr para o quarto dele. Mal conseguia andar, suas pernas não tinham sustentação suficiente para mantê-lo em pé por mais que dois passos e dobravam muito...

“A você ta ai, Bonequinha. Vem durmi comigo, sua chata, não sei o que você ta fazendo no chão...” a irmã dele surgiu na porta, voltava de algum lugar, estava vestindo um pijaminha fino rosa, com alguns gatinhos desenhados. Seu cabelo era longo e escuro, a boneca era a cara dela.

Ela agarrou a bonequinha e deitou-as na cama: “Sabe, sem você eu não consigo durmir, há muitos monstros por aqui e você toda noite me protege dele, te amo tanto, tanto!!!”
Debaixo dos cobertores, ela se enfiou junto com seu brinquedo. “Fica ai, noites de chuvas eles aproveitam mais, o barulho da chuva esconde eles...”

Aquilo não fazia sentido pra ele, dois anos mais velho que ela, mas esperou que não fosse verdade. Não era sufocante nem mais quente debaixo das cobertas, ele apenas ouvia as coisas que ela dizia e não podia responder, só ouvir... ‘ Espero que isso seja um pesadelo e acabe logo...’

Pouco mais que vinte minutos, o agarrão afrouxou, o boneca notou que sua irmã durmia feito um anjo e ele ainda não saia daquilo. Ele tira a cabeça pra fora e de repente um suspiro soturno consegue arrepiar a espinha dele, mas não ali na boneca, ele sentia o arrepio no corpo dele,  no quarto ao lado. Ele não podia enxergar nada, mas notou a presença de algo ali no quarto. Ele não sabia o que fazer, até lembrar que sua irmã tinha muita cosquinha na orelha. A bonequinha começou a passar que braço cotoco la, em pouco tempo sua irmã começou a responder. E a coisa se aproximava, estava agora por cima deles, mas ele não sabia o que era. Sentia um ar frio e quente ao mesmo tempo, e sua irmã não acordava. A coisa baixou mais e começou a mexer o braço da boneca, tentando impedir que a irmã seja acordada. “Levanta logo irmã, nossa vida depende disso...” – aquele pensamento foi estranho.

A criatura deu um sopro com o bafo que xeirava a lavanda misturada com xixi de gato e ele, como boneca, apagou...

“Nãoooooooo...” ele acordou assustado, estava em seu quarto, fora tudo um sonho, um terrível sonho...

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Sonhos II

Pra quem esperava mais um deles, estou postando agora em plena uma aula chata de fratura e fadiga dos materiais. Esse é meio pipizinho, mas faz parte da coletânea... se divirtam (=


O Suicida que voou


 “Então é esse o fim. Já fiz tudo, ninguém se sentirá culpado. Tudo estava tão bem a pouco tempo atrás, mas  não consigo suportar isso nem o que virá” -  pensava o suicida antes de tomar todos os seus comprimidos que o levariam a uma morte no sono.
Ele durmiu, era tão simples, tudo no corpo dele ia parar e ele não ia sentir nada, estava anestesiado contra qualquer dor e sofrimento, e ele morreria. Mas não foi assim...

Durante a noite, uma queimação em suas costas fez ele abrir os olhos. Árdia como o fogo do inferno, cortava como a lâmina mais afiada. Do centro de sua coluna, ao longo de toda ela, até a lombar, algo, melhor dizendo, duas coisas saíam. A dor lascinante, ele não sabia o que era, só sabia que doía e doía muito. Incapaz de mexer devido a dopagem, gritar, chorar, ele sofria calado enquanto o lado direito e o esquerdo de sua coluna eram rasgados e algo brotava de seus ossos...

Depois de um longo tempo, ele pode ver uma armação branca com  penas sobre sua cabeça, a coisa havia crescido tanto... Ele começou a sentir alguma corrente de ar passar por aquilo e notou que os dois lado estavam separados. A dor final o fez desmaiar.

No dia seguinte, ele não havia morrido. Assim que passou todo efeito, ele viu que era um par de asas que havia surgido em suas costas, eram asas angelicais. Sentia fome e vontade de ir ao banheiro. Mas ainda estava deprimido. Pulou da janela do seu quarto, no sexto andar de um prédio residencial, e num reflexo instântaneo começou a voar.

“O que está acontecendo comigo? Eu queria morrer e não voar... “
Voou para longe da cidade, estava pálido, nem naquilo conseguiu obter sucesso... mas... mas agora ele voava. Ele pensou que aquilo seria bom, poderia consertar as coisas que fez... Mas pra isso ele precisaria ir pro litoral. Ele voava, isso não era problema,  e descobriu que era bem rápido. Se seguisse em linha reta em menos de uma hora chegaria até onde sua amada estava, podia carregá-la pra longe e convencer a voltar com ele.  Podia praticar todos os planos juntos, ele tinha o poder e conseguiria...

Ele voou, alguns passáros o evitavam, outros pediam pra ele desistir, que nada daquilo iria dar certo, era tolo se ele ainda acreditava no amor depois do que aconteceu com ele. Mas ele não quis ouvir nenhum desses pássaros. Um último disse para ele aproveitar de outra maneira a dádiva que foi dada a ele -  ele poderia conseguir o que quisesse, agora ele voava!

Ele não desistiu, sabia que sua amada estaria esperando em algum lugar, debaixo de um guarda-sol, ou andando pelas calçadas da praia e ele a levaria para longe, mostraria que eles iam dar certo, e seriam felizes de novo – e que na verdade, nunca foram infelizes....

Então voando pelo litoral daquela cidade em que ela estava, após pouco tempo a encontrou... num rasante desceu  e a sequestrou. Suas amigas e amigos deram um grito, tentaram pegar o suicida voador, mas ele foi mais rápido e desistiram quando viram que ele estava alto de mais e poderia deixá-la cair.

- QUEM É VOCÊ?  – ela não tinha olhado no rosto do homem voador ainda, se debateu até ver a altura em que eles se encontravam. Como era bom tê-la nos braços de novo, apesar de não ser espôntaneo...

- Você me tratava assim, como anjo,  eu te tratava assim... mas agora sou apenas um homem que voa atrás de redenção, do seu amor e de perdão.. Meu verdadeiro anjo é você, sem você o vazio toma conta de todos meus sentimentos, minha vontades, meus objetivos... só quero ser feliz com você...

Ela reconheceu a voz. Um silêncio estranho tomou conta deles enquanto ele procurava um local seguro e longe para que eles pudessem conversar... Tudo já estava longe naquele momento.

Uma caimbra. Eles estavam no meio do mar, ele viu que não conseguiria voar mais e levaria a morte sua amada também.

Suas asas não batiam mais. uma dor aguda tomou conta de seu peito. Sua respiração parou, seu coração parou. E ele nem teve tempo de ouvir a resposta dela...

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Sonhos...


Sonhos é uma coletânea do cinco últimos textos que eu criei. Começarei postando aqui "A colher de pau" mais simples, e o preferido pelo Ícaro que leu quatro dos cinco. Espero que curtam. Postarei de 1 a 2 por semana, e em breve começarei uma nova série, por enquanto intitulada "Presos"



A Colher de Pau

“Não, eu não quero... para com isso pai, para mãe. Vocês não gostam de mim?” O menino chorou.
 O casarão colonial pode ter sido a casa mais linda de todo o bairro do pequeno menino, durante o século 18. Sua estrutura colossal cedeu ao tempo. Era fácil de notar pelo reboque despedaçado, o amarelado que marcavam até onde algumas inundações ocorreram ali, quartos sem janelas e algumas janelas sem quartos. No que sobrou dos dois andares, via-se algo que tentava lembrar a beleza arquitetônica de todas aquelas construções míticas do barroco. Mesmo assim, parte da casa era só escombros, outra parte, escuridão.

“Papai, você sempre foi meu herói, porque quer que eu pegue a colher de pau que o cachorro levou la dentro sozinho?” Não houve resposta. Após alguns segundos de trocas de olhares, o menino desistiu de tentar convencer seu pai a ir la dentro com ele. “Não tenha medo...” era  o pedido da casa.  Sua mãe não se intrometeu...

‘Eles não querem eu por perto, todos que entram la desaparecem, por que eles querem que eu desapareça. Eu amo eles, tanto...’ O menino cedeu e partiu para sua jornada preta e branca.

A porta de entrada tinha cinco vezes seu tamanho .  Ela se manteve trancada durante toda a vida do menino, mas assim que ele se aproximou ela abriu sozinho.
‘’Sinta-se vontade, não te farei mal se você for uma boa pessoa aqui dentro.’’  A voz soava como de uma menina, nem criança nem adulta, mas ele sabia que era a casa.

Apesar de toda boa receptividade, o menino tremia, suava frio, seus passos curtos de uma criança de 6 anos se tornavam mais curtos e pesados cada vez que adentrava mais no salão de recepção.
“Por que tanto medo, criança? Ou é tristeza, não sei o que observo em seus olhos inocentes.”

Ele sabia que não voltaria mais, uma infinidade de crianças já desapareceram lá dentro antes dele. Ele sabia que era isso que seus pais queriam.
‘Mas eu os amo...’ era o seu pensamento principal.

De repente um latido. Descia a escada que levava ao segundo andar o seu cachorrinho. “Por sua culpa meus pais não me querem mais, cade a colher de pau!??” Olhou com raiva para o cachorro, que se encolheu e parou de abanar o rabo na hora.

“Não o culpe, pequena criança. Ele é só um cachorro, não é nada diferente de você. Também foi abandonado pelos pais, mas você faz ele se sentir bem. E aqui ele te entende perfeitamente” A criança não sabia o que dizer, começou a chorar e correr pra fora, mas já era muito tarde, estava totalmente escuro , seus pais haviam partido.

A noite era escura, não havia lua, não havia estrelas  nem algum outro tipo de luz artificial ali perto. O preto e branco da casa era muito mais convidativo àquilo.
“Eu sempre fui um bom menino... sniff” .
Lá dentro ele se acomodou num canto no andar de baixo, não havia nenhum outro móvel dentro da casa.

O seu vira-latas desceu com a colher de pau assim que o menino apagou e se ajeitou do lado dele. “Não é culpa minha... me desculpa.” E ficou la durante algum tempo.

Quando o menino acordou no meio daquele nada com paredes parecendo que ia despencar em sua cabeça, notou que estava mais alto, mais velho, suas roupas de criança jaziam rasgadas no chão. Confuso.
‘O que aconteceu? ‘ Passou a mão em seu rosto e notou que havia crescido alguma barba. Estava pelado porém não sentia frio. Então ele lembrou da colher de pau e resolveu subir a escada.

“Que bom que você levantou, garoto. Já está durmindo ai durante anos...” - a voz da casa era a mesma- “Existem outros que nunca se levantaram...”

Ele não respondeu a voz, preferiu continuar subindo as escada e procurar a colher de pau.

“Seu cachorro desceu a colher de pau, infelizmente a umidade e o tempo em que ela ficou ai a destruiu. Não há nada em cima como não há embaixo, a colher esta de baixo de suas roupas de criança...”

Assim que ele terminou de subir, ele viu outro cachorro mordendo outra colher de pau. Esse não era o seu cachorro e o cão até rosnou pra ele.  Vindo lá de baixo, ele escutava uma voz de criança, chorando, implorando para seus pais não deixarem ele entrar na casa sozinho. A mesma coisa que ele passou sabe-se lá quantos anos atrás. Ele lembrou de tudo

Num ataque de fúria, ele pulou em cima daquele cachorro e roubou a colher de pau do mesmo. Com um ataque, ele quebrou o crânio do cachorro e a colher... o cachorro morreu e ele passou a andar sobre quatro patas, os latidos passaram ser sua única palavra, mas ele entendia tudo o que a criança falava e o que a casa falava.

Num canto daquela mesma sala de cima, ele viu os ossos de outro cachorro, jazia ali a muito tempo, seu coração doeu, eram os ossos do cachorro dele... então ele tentou se aproximar da nova criança que o xingou, o rejeitou, tacou uma pedra nele. Na noite, ele levou a colher de pau quebrada lá pra baixo, desculpou-se com o menino, sabendo que o destino dele seria o mesmo que o seu, subiu as escadas e esperou seu fim...

“Você só precisava ser um menino bom aqui dentro e tudo daria certo...”

Uns agradecimentos

Aos meus amigos, principalmente ao Icaro que me ajudou nesses últimos tempos com meus textos (há vários textos postados aqui que foram refinados, mas deixo esses aos curiososo) Agradeço a todos os outros leitores que ficaram me enxendo o saco pra postar novos textos aqui, e hoje eu volto a postar, ao menos um por semana. Quero comentários, críticas e sugestões.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Quando a Morte Ama

Toc... Toc... Toc...

As mãos dela batiam naquela porta talhada em madeira de uma casa que um dia já fora uma grande casa...
Aquele homem a esperava já a algum tempo.
- Entre, senhora! – Disse, olhando para o espelho colossal que enfeitava aquele grande hall, onde eram dadas grandes festas com muitos convidados.

Estava frio, mas o homem não se importava. O fogo, que a pouco ardia na lareira, se apagou. Dele, sobrou só algumas brasas que davam um tom a mais ao cômodo. As luzes estavam apagadas.
- Há muito te espero, achei que não precisaria forçar sua visita. – olhava para baixo agora, seu copo de bebida, já vazio, agora eram estilhaços no chão, suas mãos não o ajudavam mais, a idade trouxe seus problemas e as vezes seus movimentos eram autônomos – e tome cuidado com o chão, não quero que ninguém mais se machuque...
O vento zumbia por entre os buracos das janelas - todas de madeira, muitas, podre – trazia ao homem lembranças daquela que entrava. Era criança quando a conheceu, a época era estranha para ele (estava na puberdade, talvez) e muitas coisas passavam despercebidas pela sua mente, ainda sã.

- Você não mudou nadinha – sorriu – é como se fosse a primeira vez, você lembra? Um jardim de flores, a brisa que me aconchegava, e você, sempre com essa pressa, era a mesma. Daquela vez fora rápido demais, mas você me notara...E como continua maravilhosa – se virou para olhar pra ela. Não pela última vez.
Aquele jardim fora do pai. Quando ele a conhecera lá era o refúgio que ele usava ao invés de pedir colo pra mãe, como maioria das crianças nessa idade faz quando esta triste. Rosas, cravos, violetas... eram tantas as variedades de flores que ele se perdia só de pensar em ficar lá, deslumbrando aqueles arranjos que só seu pai sabia fazer.

- Achei que você não tinha ido com minha cara da primeira vez. Mas deve ser coisa de criança mesmo – se abaixou e começou a catar os cacos do copo – Mas viramos amigos, muito mais que isso, cúmplices. Eu era apaixonado por você.
Lágrimas escorriam pelo rosto dele.

- Pode pegar aquela vela pra mim?- ele apontou pra um lado - Já não enxergo tão bem, muito menos nesse escuro. – e lá ela foi, com seu andar suave. A vela se encontrava na cozinha, ja acesa a algum tempo. O homem sempre teve preferência pela escuridão, ou penumbra quando precisava de alguma luz. Gostava da luz da lareira quando acesa, ou de velas, no verão, quando era mais quente e o calor da lareira era de mais.

- Crescemos juntos, lembra de nossas conversas? Eu sempre falava de coisas que eu não entendia fingindo entender – Ela vinha com a luz pelo caminho que os separava (ou unia) ali – Como aquilo era bom.

O tempo tinha sido gentil com ela. Continuava quase como ele a conheceu, agora um pouco mais alta e muitas poucas rugas na pele. Ela o ajudava com os estilhaços.
Contudo, ele não era tão velho, estava por volta dos seus 50 anos, o que era o novo 20, mas a vida e o tempo não foram tão gentis com ele...

- Por que você sempre foi apressada? Sempre me perguntei isso. Pra mim só bastava estar com você, mesmo jovem, aquilo ja era suficiente pra mim. Cada hora você tinha que estar em um local. Jurava que era importante, e eu a deixava ir com um pesar. Se soubesse que você sumiria por tanto tempo, te prendia junto a mim em qualquer lugar... – ela também sorriu pra ele, enquanto o olhar dos dois se encontravam – e esse é o último pedaço – pegava mais um caco no chão - pelo menos o último que meus olhos conseguem ver. Vamos jogar isso no lixo.
Eles nunca tinham se tocado mais intimamente que um abraço. E talvez aquele tenha sido o olhar mais emotivo que eles trocaram.

Ela apenas o seguia até a cozinha enquanto ele ia jogar fora o vidro.
- Você nunca veio aqui também neh? Vou te mostrar a casa, enquanto ela ainda permanece de pé... Agora vivo mais na cidade do que aqui, mas como sei sua preferência pelo campo, preferi te chamar para cá. Teve uma época que aqui fora badalado e as portas e janelas não serviam de comida para cupim, como são servidas agora. Depois que minha esposa morreu não senti mais aquele prazer que tinha de cuidar daqui. Fazem 5 anos... E também a última vez que te vi.
“Aqui é a cozinha... O bar aqui ainda permanece cheio, se quiser alguma bebida – realmente, havia lá todo tipo de bebida, de pingas caseiras às mais requintadas garrafas de whisky – Vê aquele fogão a lenha, não é usado desde que a perdi...lá dentro deve haver o ninho de alguma coisa peçonhenta...”

Ele foi indo de volta para o hall, o chão, de madeira, rangia a cada passo deles. Ele então lembrou de quando passou no seu vestibular, a moça que o seguia não estava lá para comemorar havia um tempo já. Ele conseguiu muitas coisas a partir dai. Conseguiu ficar famoso. E só a viu poucas vezes durante os 30 anos seguintes.
“Esse Hall... Quantas pessoas já não passaram por aqui, eram grandiosas minhas festas. Pena que você parecia estar longe, sempre longe. Acho que você não aproveitou nenhuma, não lembro de ter você aqui.” Olhou com pesar para todos os lados. “Estranho o espelho ser a coisa mais duradoura aqui, não ter quebrado até agora, ou rachado em tantas comemorações que tivemos aqui”.
No centro desse hall de entrada havia uma escada, para a qual ele seguia agora.

Ela se olhou um tempo no espelho, a vela iluminava o seu rosto e ela parecia fascinada com tudo aquilo. Ele a chamou:
- Suba, minha querida. Lá em cima tenho mais histórias para contar de todo esse tempo – ela deu mais um olhada para o espelho e o seguiu. Seu vestido era branco, colado ao corpo; o decote que ela usava a deixava mais chamativa ainda. Suas curvas não mudaram nada desde quando ele tinha por volta dos 17, 18 anos, o homem pensou.

- Lembra do que você me chamava? Leaf. Folha em inglês, mas também me lembrava vida. Como era bom ouvir ou ler algo que eu sabia que era de você pra mim. Leaf... – no rosto dela escorriam lágrimas e brotava um sorriso...

O andar de cima era mais luxuoso, rústico, mas cheio de coisas que fazem lembrar qualquer casa imperial. Móveis, pinturas, outras obras de arte enfeitavam uma sala que se ligava, através de um corredor, a dois quartos, um banheiro e uma varanda.
- Quantas noites não passei aqui durante os quase 10 anos que fui casado com minha mulher. Ela me fez feliz, como você me fez...
Na sala havia outra porta que dava pra um pequeno quarto onde eram guardados vários quadros com quebra-cabeças montados...
- Faziamos muito eles – ela entrava pela porta, com a curiosidade de uma criança – era um de nossos passatempos quando estavamos juntos... fizemos uns 30 nesses 10 anos que fomos casados. Algo dela ainda vive aqui – ela olhou para eles, como se contasse peça a peça cada um, parecia estar extasiada com aquilo....
Ela ficou la durantes mais uns dois minutos.

Depois, foram em direção ao quarto.
- E aqui, quantas outras mulheres já não passaram antes de eu me casar? Eram tantas. Tempos ótimos aqueles também. Como eu gostaria que você passasse por aqui também... – um pouco de silêncio... e mais um pouco... ele abriu a porta do guarda roupa, que revelou uma passagem para um outro banheiro, magnífico também. Havia uma banheira nele e um teto de vidro, uma a vista livre para olhar para o céu enquanto se banhava ali...
“Se essa banheira falasse...” ele olhou apaixonadamente para a banheira “... mas vamos à varanda, onde esse corredor acaba.”.
Ela olhou para a banheira e ficou algum tempo olhando para o teto. Para o céu. Naquela noite, não havia lua e dali poderia enxergar qualquer estrela... era acalmante, era um sonho...

Quando voltou a si, ela seguiu até a varanda, que estava aberta. Leaf não estava lá... o vento fez as portas baterem... Calmamente ela foi voltando para o hall de entrada. Leaf estava lá... se olhando novamente no espelho, com um copo de bebida na mão, vazio... Ele a viu com fascínio descendo a escada.
Ela o abraçou terna e apaixonadamente durante um bom tempo. Demonstrando o máximo de sentimento que ela poderia demonstrar. Então ela lembrou da primeira vez que o viu:

“Estava ele, criança no jardim de seu pai. Sua mãe acabara de morrer e ele não tinha pra onde ir... Arrumavam sua mãe, que tinha pedido para ser enterrada naquele jardim. Ele tinha seus quase 12 anos, a família chorava enquanto o caixão era colocado dentro da cova, ele tinha ido pra um canto, deitar entre as flores enquanto a amiga vinha buscar mais uma alma. Ela notou que ele a havia visto, depois de tantos anos, uma pessoa a vira. Ela não acreditava e passou a visitá-lo sempre lá. Ela parecia para ele como uma humana comum, que crescia junto com ele. Ele a amava realmente. Só ela perdia seu tempo com ele, ela que não tinha, mas tinha, muito tempo. Ela que ouvia o que ele tinha a dizer sobre vida. Sobre como gostava daquele jardim e das folhas, que pareciam tão vivas quanto as flores . Ele que começava a aprender com ela coisas que não poderia aprender com ninguém mais. Ela também o amava...”

Quando o pai morreu, ela se afastara do garoto que tinha 17 anos... Passara 6 anos da vida dele com ele e depois sumira, só aparecendo, esporadicamente, para buscar outros próximos.
A última vez que ele a vira fora quando ela viera buscar sua mulher, que mal soube, ela estava grávida. Faziam cinco anos desde então.

Ele que agora já não era mais são, havia esquecido por que sua amiga saía tanto, quem sua amada de infância era de fato. E por que ela estava ali, entre cacos no chão, um corpo caído e abraçando um homem morto.
Assim, ela sussurrou no ouvido daquele que fora o único que teve tempo pra ela:
- Vim te buscar, meu Amor...

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Traços

Editado pra correção de vários alguns erros


Um dia eu peguei uma folha de papel e comecei a traçar uma linha cheia de ângulos retos sempre no mesmo sentido. Depois de umas 10 curvas, eu vi ali uma cidade. Todavia, ela estava incompleta - não havia sons de crianças brincando, carros andando. Não existiam os animais soltos, nem os moribundos notivagantes, nem os trabalhadores, nem a feira...
Então, eu resolvi colocar alguns “Vês”, sobre os prédios mais altos, representando pássaros que poderiam estar voando sobre a cidade. E se cada pássaro daquele tivesse uma história diferente pra contar? Se eu colocasse mais Vs, as histórias poderiam ser infinitas.
Olhei novamente pro esqueleto da cidade com a história dos pássaros em mente, pensei: “Quantos andares tem nesse prédio, pode ser tanto 3 como 30 como 100...”, vislumbrava a ponta mais alta daqueles traços tanto infantis. Coloquei algumas janelas em todos os prédios, todas em formas quadrangulares, tentando não escapar do padrão. Pronto, ali eu tinha o esqueleto da cidade e seus olhos.
Estava de dia ou de noite? Não sabia, não via sol nem lua ali. Antes de resolver esse problemas, coloquei vários sticks (aqueles desenhos em formatos humano, feito geralmente com traços e uma cabeça redonda) em posições diferentes nas janelas, uns de perfil, outros de costas, uma minoria de frente, olhando para mim. Poxa, se aqui existem umas mil janelas, se coloquei sticks em um décimos delas, já são cem histórias diferentes que eu poderia ouvir. E esses que olham pra mim, será que me veem? Será que eles poderiam contar essa história ao seu vizinho, que naquele momento simplesmente está passando em frente a janela? Como cada um teria sua versão, seria várias histórias novas.
Continuei pensando. Vou fazer alguns traços aki, mais baixos que os prédios, serão postes. E naquela mesma forma fui aproveitando as vacâncias para colocar alguns postes da cidade. Então resolvi acênde-los, e resolvi que era noite. Encostado nos postes coloquei mais alguns sticks, entre notivagos e amantes, e alguns animais. Aquilo parecia ganhar vida. E mesmo sendo um desenho, cada coisa parecia contar uma história diferente. Sorri!
Os pássaros começaram a ficar sem importância, então resolvi que os Vs poderiam ser corujas, corvos, morcegos e outras criaturas voadoras da noite. Eram novas histórias agora. E se colocar alguns em frente das janelas? Ou do lado dos que se amavam de baixo do poste? Ta ai, isso poderia ser interessante, num futuro aquelas figuras poderiam se lembrar “naquele dia, enquanto nos beijavamos uma coruja ficava nos observando... sabe que aquilo me arrepiava..” e eles sorririam. Talvez, arranjariam uma para cuidar – aquele poderia ter sido o primeiro beijo daquele casal...
Aquele que ficava na janela pode ter se assustado ao ver o vulto voador passar próximo dali, seria engraçado se tivesse mais alguém no comodo com aquela pessoa naquele momento. Ou os Vs poderiam alegrar o moribundos na noite, mesmo sem saber, sendo curiosos e chegando perto...
Sendo de noite, eliminei o problema das crianças brincando. Era noite e todos deviam estar na cama, é claro! Poderia fazer um ou outro stick menor entre os moribundos, mostrando aquelas que não tinham onde morar... fiz alguns então.
Pensei novamente naqueles que me olhavam, o que estaria passando na cabeça deles afinal? Deviam me repugnar por colocar sticks crianças nas ruas. Ah, mas eu queria fazer uma cidade. A coisa já nao parecia mais tão infantil.
Fiz os deliquentes em algum espaço livre das paredes dos prédios, aquilo começava a me divertir. Assim, comecei a me sentir observado mesmo por aqueles que apenas estavam de perfil em seus comodos na janela.
O que faltava mais ali? Não queria colocar detalhes nas construções e muito menos pintá-las, perderia a graça que o grafite dava.
Coloquei alguns carros em frente aos prédios só pra completar o desenho, mais linhas e ângulos retos. Ah sim, haviam amantes também nos carros, nos pontos mais isolados daquela cidade.
E tudo aquilo tinha uma história... e era apenas um desenho...